O alívio de deixar certas coisas para trás!
Quando aprendemos a nos respeitar e deixamos de arrastar coisas com a gente!
Em todos esses anos ouvindo pessoas, seus relatos e histórias, as situações que mais aparecem em um aconselhamento ou direcionamento envolvem o problema de “deixar para trás”, ou como costumo dizer, “deixar cada coisa em seu momento da história”. Para que você entenda o que isso significa, vou propor uma situação fictícia:
Uma mulher entrou na minha sala com um ar de aflição. À primeira vista, parecia bem, mas um olhar mais atento revelava um passo hesitante, o corpo um pouco curvado – sinais de alguém carregando um peso interno. Aparentemente, ela tentava disfarçar, mas a melancolia estava ali, para quem soubesse olhar.
Assim que se sentou, ajeitou-se na poltrona ao lado da mesa de centro, evitando contato visual direto, e começou a falar, a voz ainda ofegante:
“Eu preciso de ajuda… sinto como se meu coração fosse sair pela boca.”
Pedi que respirasse fundo e começasse a contar o que estava acontecendo. E ela começou, como se desabafasse um peso guardado há muito tempo:
“É sobre meu irmão. Eu o amo, mas precisei me afastar dele anos atrás. Não foi fácil; eu já estava no limite. Mas desde que tomei essa decisão, finalmente encontrei paz. Só que agora, de uns tempos para cá, ele tem me ligado, como se estivesse preocupado, querendo saber como estou. Isso está mexendo comigo. Não sei o que fazer.”
“Entendo… você está angustiada porque ele tem mostrado preocupação, é isso?”
“Não é bem isso,” – ela suspirou, tentando explicar melhor. – “É que ele liga e fala como se nada tivesse acontecido, como se tudo o que ele fez e disse nunca tivesse existido.”
“E o que exatamente aconteceu entre vocês?”
Ela fez uma pausa, como se organizasse as lembranças, e continuou:
“Vou tentar resumir… Anos atrás, ele se afastou de mim de uma forma que doeu demais. Fiz de tudo para me aproximar, para estar presente, mas ele só respondia com frieza, às vezes até com grosseria. Fomos só nós dois desde que nossos pais morreram, e mesmo assim ele se distanciou. Em um momento difícil, soube que ele enfrentava problemas financeiros e o ajudei, mesmo sem ele pedir. Nunca houve agradecimento nem devolução do dinheiro. Até a filha dele, minha única sobrinha, casou, e eu sequer fui convidada. Fiquei magoada, e a cada situação assim, ia me afastando mais, até que percebi que, para ter paz, precisava parar de tentar. Desde então, consegui viver em paz, ou pelo menos achei que sim. Mas agora, com ele ligando, toda a dor parece ter voltado. Sinto que perdi minha paz de novo.”
Com calma, refleti sobre as palavras dela:
“Entendo. Você acreditou ter encontrado paz, mas, na verdade, parece que encontrou uma maneira de empurrar essas mágoas para o canto. Só que agora, com ele voltando a aparecer, elas ressurgiram. Talvez nunca tenham sido resolvidas de fato.”
Ela assentiu em silêncio, absorvendo o que eu disse.
“Mas o que eu faço?” – a angústia transparecia em seu tom.
“Você tem alguns caminhos possíveis. Um deles é aproveitar essa abertura e falar com ele, tentar expressar o que sentiu e como sofreu com a ausência dele.”
Ela balançou a cabeça, interrompendo-me:
“Não sei se conseguiria. Acho que acabaria sendo dura, jogando tudo na cara dele.”
“Acredito que existam formas de expressar suas mágoas sem agressividade. Mas vamos a outra opção. Você pode optar por deixar cada uma dessas situações no lugar delas na sua história.”
“Como assim?”
“Você guardou tudo isso por anos e seguiu em frente, mas cada situação ainda está guardada, intacta. Só que agora elas voltaram à tona. É como carregar uma mochila interna cheia de pedras. Talvez você precise olhar para essas pedras, para essas dores, e deixá-las em seu devido lugar, no passado. Não é seu irmão que sofre com isso; é você quem carrega esse peso. Guardar tudo por tanto tempo foi a forma que encontrou de seguir, mas, quando guardamos, em algum momento, essas dores reaparecem. Se você deixá-las no passado, se permitir esvaziar essa mochila, poderá encontrar uma leveza genuína.”
Ela refletiu por um momento e perguntou:
“E qual seria a terceira opção?”
“A terceira é uma combinação: falar com ele, caso sinta necessidade, e ir, aos poucos, colocando cada mágoa em seu lugar no passado.”
Ela ponderou:
“Não acho que conversar sobre tudo isso vá resolver. São muitas mágoas, e acredito que só pioraria.”
“Então…”
“Então, acho que preciso deixar o que aconteceu no passado. Cada coisa em seu lugar, sem carregar comigo.”
“Exatamente.”
Ela me olhou com uma nova compreensão, mas ainda tinha dúvidas.
“E como faço isso?”
“Comece entendendo o seu irmão. Vocês perderam os pais, e cada um lida com o luto à sua maneira. Não estou justificando o que ele fez, mas entender pode te ajudar a ver a situação com um novo olhar, a perdoá-lo. Talvez, um dia, numa conversa tranquila, você possa expressar o quanto queria ele perto. Mas, por ora, decida esvaziar essa carga. E se você perceber que essa reaproximação é verdadeira, pode escolher dar espaço para ele na sua vida novamente. Mas, ao se esvaziar, não será mais a angústia que falará por você.”
Ela sorriu, aliviada.
“Sim, eu entendi.”
Acredito que você entendeu a mensagem, certo? Nossa paz, muitas vezes, é fruto de uma decisão firme de não trazer o passado para o presente. O presente já tem suas próprias dores e desafios; carregar pesos antigos só nos deixa mais sobrecarregados, sem paz e com dificuldade para seguir em frente. Claro, o processo de ir aliviando a bagagem, retirando as pedras e deixando-as no passado é algo que se constrói aos poucos, dia após dia. Mas isso nunca acontecerá se você não decidir começar hoje, no presente da sua história.
É a primeira vez que escrevo nesse formato, transmitindo uma mensagem em forma de história. Se você gostou, deixe seu comentário; se não gostou, pode falar também, não tem problema. Toda crítica é sempre bem vinda.
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📚 O que estou lendo?
Ainda estou lendo “Truques da Escrita” de Howard S. Becker, tem sido uma leitura excelente e clara, que realmente fala sobre pontos práticos para começar a escrever melhor. Confira o livro aqui! No processo de escrita, não só desse conteúdo, mas também da minha tese de mestrado, ele tem sido um instrumento valioso.
🎧 O que estou ouvindo?
Hoje vou ser nostálgico. Vou te indicar o álbum da Marjorie Estiano. Sim, ela já foi cantora - saudades Vagabanda - e lançou um álbum em 2005. Músicas bem escritas, interpretadas belíssimamente por ela, leves e boas para escutar sem pretenção.
🎬 O que estou assistindo?
Hoje vou te recomendar um filme brasileiro que lançou a pouquíssimo tempo na Netflix e que já ganhou inúmeros prêmios, inclusive alguns internacionais. Estou falando de “Saudade Fez Morada Aqui Dentro”, dirigido e roteirizado por Haroldo Borges. O filme apresenta o jovem Bruno (Bruno Jeferson) de 15 anos, que mora em um bairro humilde do interior da Bahia. Vivendo uma adolescência ativa e comum, o garoto recebe uma notícia que abala tanto sua base familiar - composta por uma mãe solo (Wilma Macedo) e um irmão mais novo (Ronnaldy Gomes) - quanto sua comunidade escolar. Mas sobretudo, sua ideia de futuro. Um diagnóstico de uma doença degenerativa grave, que, muito em breve, o deixará totalmente cego. Vale muito a pena conferir essa película.
📆 Plano para a semana
Você já pensou em fazer um almoço ou um jantar para os seus amigos? Bem, eu não gostava de cozinhar - nem sabia na verdade - mas esse ano morando no exterior me ajudou a subir uns degraus nessa habilidade e essa semana chamei uns amigos para almoçar em casa. Na verdade eu vou fazer a comida que mais gosto de comer e eles vão comer junto comigo. Comer fora sempre é bom, mas momentos assim, que são mais íntimos, fazem toda a diferença.
Agora é a sua vez! 🙌🏻
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